No extremo Norte do Brasil, Roraima é o único estado do país não conectado ao Sistema Interligado Nacional (SIN) e seus cerca de 650 mil habitantes dependem quase que inteiramente de uma energia elétrica cara, instável e poluente, produzida a partir de geradores a diesel e óleo combustível. E é lá, na região Amazônica, que está sendo viabilizada uma das soluções para a transição energética, com o plantio da palma em áreas degradadas possibilitando seu aproveitamento tanto na geração de energia elétrica, quanto de combustíveis renováveis.
A Brasil BioFuels (BBF) vai investir cerca de R$ 2 bilhões em uma biorrefinaria, que ficará na Zona Franca de Manaus, e vai produzir mais de 500 mil litros de HVO (diesel verde) e SAF (querosene verde de aviação) a partir de 2025. O refino ocorre numa região distante dos centros de consumo desses combustíveis no Brasil – Sul e Sudeste – e só será possível graças ao uso, como matéria prima, do óleo de palma produzido em Roraima, em São João da Baliza, município de cerca de sete mil habitantes, resultado do esmagamento da palma cultivada na região.
Para que a BBF viabilize o investimento, mais um nome entrou na equação: a Vibra Energia, que será a única compradora de todo o combustível produzido na biorrefinaria por cinco anos, período que poderá ser renovado por mais cinco. Será a capilaridade da antiga BR Distribuidora que permitirá que os combustíveis verdes cheguem aos centros de consumo de todo o país, por meio da sua capacidade logística e comercial. A grande vantagem dessas tecnologias é que são drop in: diferentemente do biodiesel, que depois de um certo percentual prejudica o rendimento dos motores, o HVO e o SAF podem ser usados imediatamente em substituição aos combustíveis fósseis, com a vantagem de não gerarem enxofre.
Mercado para os combustíveis
Embora HVO e SAF já sejam combustíveis verdes explorados nos mercados da Europa e Estados Unidos, seu uso no Brasil ainda é incipiente, e a falta de uma política de incentivos definida – tal qual a mistura obrigatória do biodiesel ao diesel – e a ausência de mercado consumidor foram obstáculos que a BBF teve para desenvolver seu complexo modelo de negócios. “Sem uma indústria, ninguém compra o fruto de palma, principalmente em Roraima. Esse era um problema no início para viabilizar o empreendimento”, contou Milton Steagall, presidente da BBF, evento feito para anunciar a parceria com a BBF em São João da Baliza, onde fica uma unidade industrial da companhia.
Em novembro de 2021, a Vibra e a BBF celebraram um contrato de compra e venda de diesel verde, o HVO, que será produzido na biorrefinaria de Manaus. Na época, o investimento era estimado em R$ 1,8 bilhão, mas o projeto foi ajustado para ser uma planta híbrida que também fabrica o SAF, dadas as perspectivas de avanço do uso dessa tecnologia em mercados no mundo todo pela necessidade de descarbonização também da aviação.
“Toda a atividade agrícola, produção do óleo, dos combustíveis, é a razão de ser da BBF. O papel da Vibra é de ser comprador do volume que vier a ser produzido, e vamos colocar esse volume em nossos mercados. São papeis complementares”, disse Wilson Ferreira Junior, presidente da Vibra.
Atualmente, estão em estudo pelo governo regras que permitirão o uso mais intensivo desses combustíveis. Recentemente, o Comitê Técnico Combustível do Futuro, do Ministério de Minas e Energia, organizou premissas para certificação, governança, qualidade e tributação do SAF e, segundo o coordenador-geral de biodiesel e outros biocombustíveis da pasta, Renato Dutra, um projeto de lei foi encaminhado pelo grupo à Casa Civil propondo o estabelecimento de percentuais mínimos de mistura do combustível verde de aviação ao QAV a partir de 2027.
Enquanto não se tem um mercado “garantido” no Brasil pela falta desses mandatos de mistura, as companhias aéreas se movimentam de forma voluntária. O programa internacional para redução e compensação de emissões da aviação, Corsia, prevê a estabilização das emissões nos níveis observados em 2019, com obrigações a partir de 2027.
“Vamos ter a vantagem de ter um combustível pioneiro, de termos feito o investimento dessa maneira”, disse Ferreira Junior.
A partir das 500 mil toneladas de óleo vegetal, serão produzidas 400 mil toneladas de biocombustível, com flexibilidade para a divisão entre SAF e HVO. Inicialmente, a ideia é que sejam 200 mil toneladas de cada um. Segundo Vossos, o HVO tem uma densidade de 0,78, enquanto o SAF tem densidade de 0,7%, o que resultará na produção de 250 mil litros de HVO e 280 mil litros de SAF.
O mercado de aviação brasileiro, em tempos de normalidade, consome cerca de 7 bilhões de litros no ano de QAV, o que faz com que o SAF produzido represente cerca de 4% de toda essa demanda. No pior dos cenários, caso o Brasil não tenha demanda para os combustíveis verdes, a Vibra poderá exportar para mercados em que a demanda só cresce de forma exponencial, segundo Marcelo Bragança, vice-presidente executivo de Operações, Logística e Sourcing da Vibra.
No evento em Roraima, participaram executivos das três principais companhias de aviação brasileiras: Gol, Azul e Latam. Todos se mostraram entusiasmados com a tecnologia e, em conversas reservadas, afirmaram que para cumprir as metas de redução de emissão precisarão comprar algum tipo de SAF, sendo importante garantir a oferta antes de 2027 já que o mercado de produção ainda é restrito.
A Vibra também se mostrou confiante sobre a colocação do diesel verde no mercado. “A Vibra tem hoje 18 mil clientes B2B, e já tivemos conversas com eles sobre a introdução de produtos que emitam menos e descarbonizem”, completou Bragança.
Os executivos evitaram falar em custo e preço dos combustíveis, por questões contratuais, mas afirmaram que a verticalização da produção da BBF, combinada ao baixo custo da terra, devem tornar o produto do óleo de palma muito competitivo no mercado em comparação com outros óleos vegetais, como de soja e milho.
“Sem parcerias viabilizadoras de combustíveis renováveis, não tem como zerar as emissões”, disse Ferreira, que lembrou que a Vibra já assegurou ofertas de outros biocombustíveis, como o etanol, numa parceria com a Copersucar, e biometano, em parceria com a ZEG Biogás. Além disso, a companhia fechou recentemente a aquisição de 50% da Comerc Energia – controladora da MegaWhat -, em mais um passo em direção à transição energética e à redução do papel dos combustíveis fósseis.
*A repórter viajou a São José da Baliza (RR) a convite da BBF e da Vibra
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