Sou o sétimo filho de uma família de oito irmãos. Meus pais se casaram em 1950, em Ribeirão Preto, mas eu nasci na cidade de São Paulo, em 1966. Tive a felicidade de crescer em um núcleo familiar cristão e, desde cedo, sempre tive um desejo muito intenso de realizar algo que me levasse à independência financeira. Contudo, antes de falar propriamente da minha pessoa, quero apresentar brevemente os meus pais, pois ambos foram muito importantes para mim. Minha mãe, Dina Sassi Steagall, é filha de imigrantes italianos da Sicília, muito carinhosa e religiosa. Já meu pai, Denisarth Steagall, é natural de Santa Bárbara d’Oeste e neto de um americano originário de San Antonio (Texas), que imigrou dos Estados Unidos depois da Guerra da Secessão (1861-1865).
Como meu pai falava bem inglês, foi contratado por uma empresa americana que se chamava International Harvester, fabricante de tratores e caminhões. Ele acabou se tornando o gerente para a região de Ribeirão Preto, que era muito pujante na cana-de-açúcar. Na segunda metade da década de 1960, a IH saiu do Brasil e a Chrysler acabou comprando sua planta brasileira, em 1966. Meu pai foi então transferido para São Paulo, tendo a responsabilidade de garantir a reposição de peças para quem já dispunha dos equipamentos. Depois, em 1972, acabaria abrindo sua própria empresa, a Cotema, de fabricação de equipamentos de prospecção e perfuração de petróleo.
Inspirado no exemplo dos meus pais e dos meus irmãos mais velhos, busquei precocemente trabalhar. Com 14 anos, fui admitido como office-boy em uma representação de bebidas. Na época, só podia tirar Carteira de Trabalho com 16 anos, por isso que a data de emissão deste meu documento é 6 de janeiro de 1982, exatamente um dia após fazer aniversário. Neste ínterim, fiz o antigo primeiro grau na Escola Estadual Dom Pedro II, no Largo Padre Péricles, nas Perdizes, e, em seguida, fui para o Colégio Mackenzie, onde cursei o colegial. No entanto, acabei não concluindo nenhum dos cursos superiores que comecei. A primeira tentativa foi Engenharia, no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP), no qual fiquei apenas seis meses. Depois, tentei Administração, no Mackenzie, também não gostei. Passei ainda em Direito, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), e não iniciei. A última tentativa foi Economia, na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), também sem sucesso.
Minha mãe ironizava que eu me formei nos primeiros anos. Já meu pai não via isso com bons olhos. Ele se empenhava muito para que tivéssemos uma boa educação. Cheguei a trabalhar na Cotema durante um período da faculdade, mas, diante dos meus insucessos e incertezas estudantis, tive de deixar a empresa familiar e trilhar uma carreira independente. As chances de dar errado eram grandes, mas batalhei e fiz com que desse certo.
O começo da história com combustíveis
No início da minha jornada profissional, enveredei para a área comercial e fui convidado a ser vendedor de uma usina de álcool da Cidade de Matão. Eles ofereciam álcool carburante, álcool anidro (para misturar à gasolina) e um tipo de álcool que era usado muito pela indústria de bebidas. Naquele momento, o setor de bebidas estava muito mal; no entanto, consegui um grande cliente do Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia. Eles ficaram muito impressionados com aquela façanha, de trazer uma empresa daquela magnitude e fora do rol daquelas com as quais estavam acostumados a lidar.
Nisso, comecei a buscar outras oportunidades e acabei, durante um tempo, trabalhando com distribuidores de combustível, sempre como autônomo e sem escritório. Vim caminhando e fazendo um certo pé-de-meia e, quando precisava de um espaço para reuniões, utilizava as instalações das empresas para as quais prestava serviço. Comecei, então, a ganhar um bom dinheiro, ainda solteiro, o que me garantia certo conforto. Por volta de 1997, despertou em mim o interesse de montar algo próprio. Em 2000, tirei este plano do papel, com um primeiro empreendimento para fazer óleos essenciais, trabalhando com aquilo que era refugo da refinaria de Paulínia.
Já tinha certo conhecimento por conta dos contatos que fazia. Um deles, um engenheiro da Petrobras, eu encontrei em uma festa de final de ano na empresa do meu pai. Em uma conversa informal, ele me contou que as refinarias recebiam muitos produtos fora de especificações por trânsitos em tubulação ou mesmo por erros de armazenagem. Como estas instalações só trabalham com uma entrada, ou seja, só recebe petróleo bruto, não conseguem aproveitar o material. Este acabava em um “tanque de não conformidade” e uma empresa internacional comprava a preço de nada, reprocessava e, depois de uma simples destilação, revendia na forma de gasolina, diesel ou nafta.
A descoberta do biodiesel
Fiquei com aquilo na cabeça e busquei mais explicação. Comecei a interagir com pessoas do ramo e professores. Descobri que tinha uma empresa, no município de Charqueada, que estava em concordata. Essa fazia óleos essenciais e tinha a estrutura pronta para aquilo que precisava. Resolvi fazer um investimento ali e, com todas as dificuldades do mundo, dois anos depois, consegui recuperá-la. Agora, bastaria solicitar o licenciamento ambiental para ampliar a planta, e, enfim, trazer os “não conformes” da refinaria de Paulínia e submetê-los à destilação.
No entanto, quando disse que iríamos trabalhar com frações petroquímicas, com solvente de petróleo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) nos alertou sobre a Lei Macris, que restringe atividades industriais nas áreas de drenagem do Rio Piracicaba, impedindo, inclusive, ampliação de área construída de estabelecimentos que apresentarem alto potencial poluidor. Eu nem sabia desse negócio. Foi então que um professor da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, Miguel Dabdoub, me disse que tinha um produto que poderíamos destilar, uma vez que se tratava de óleo vegetal: o metil éster. Estes são solventes também e não vêm do petróleo. Ele disse mais: que teríamos sucesso se acreditássemos na ideia. Então, logo depois, em 2003, quando Lula tomou posse como presidente, começou-se a falar muito de um tal de biodiesel, que nada mais é do que um metil éster. Vi ali uma saída para aquela fábrica e para a aquisição do licenciamento.
Levei a ideia para alguns interessados, que ficaram apaixonados pela questão do biodiesel. Entraram diversos acionistas importantes, pagaram um bom prêmio para fazer parte do negócio, que foi fundado em 2005 e batizado de Biocapital. Eu fiquei minoritário e os envolvidos entenderam que era melhor focar só no renovável e descartar a ideia original (destilação dos produtos não conformes da Refinaria de Paulínia), pois isso acabaria manchando a companhia com um produto de origem fóssil. A opção pelo renovável tinha lógica, e hoje sei o quanto é importante se reavaliar com o curso da vida. Tudo dá experiência e são estas vivências e percepções que vão nos tornando um profissional mais completo e com visão muito mais abrangente.
Fiquei na Biocapital até o começo de 2008, quando estavam em processo de abertura de Capital. Saí porque, embora tenha gostado do biodiesel, era contrário à ideia de comprar matéria-prima já industrializada, enquanto os demais acionistas não queriam entrar na parte de originação. Entendo que, quando não se é o dono da matéria-prima, o mercado vai sempre te machucar. Foi então que me lembrei de uma antiga visita que fiz a Roraima. Saí e constituí, em março de 2008, a Brasil BioFuels (BBF), dando início ao plantio de palma naquele mesmo ano, em São João da Baliza, município que fica a 350 quilômetros ao sul da capital, Boa Vista.
Uma cultura fantástica e promissora
Foi em 2002 que visitei pela primeira vez Roraima. Um amigo, empresário de jogadores de futebol, Giuliano Bertolucci, recebeu um convite do governador de lá para conhecer as possibilidades de investimento naquele Estado, e me chamou para ir junto. “O que que vou fazer em Roraima?”, perguntei para ele, que respondeu que lá seria uma nova fronteira do agronegócio. Este Estado tem uma situação bem característica. Sua parte Norte, da capital para cima, possui um lavrado similar ao cerrado do Centro-Oeste brasileiro. Já da capital para baixo, 50 quilômetros para o Sul de Boa Vista, começa a região de floresta e mata fechada. Durante minha visita, uma senhora muito simples do lugar me perguntou: “Você vai voltar mesmo aqui para fazer alguma coisa por nós?”.
Roraima e aquela visita ficaram na minha alma. Como diretor de Novos Negócios na Biocapital, imaginei uma planta de etanol na parte do lavrado, na região norte do Estado, onde teria boa aceitação pelo mercado. Vivia-se o boom do etanol e, perante os projetos já existentes com cana-de-açúcar em Goiás e Mato Grosso, apresentei a possibilidade de uma usina ali. A empresa se interessou; entretanto, logo veio uma lei federal, proibindo o plantio de cana na Amazônia, e o projeto não foi adiante.
No entanto, quando a Biocapital desistiu dos projetos em Roraima, me desliguei da companhia. A pergunta feita seis anos antes ainda estava sem resposta prática. Resolvi acreditar no potencial do Sul do Estado, e foi lá que comprei uma fazenda e comecei a desenvolver a cultura da palma. Mas, antes disso, fiz um estudo bastante profundo, visitei algumas instalações e fui até a Costa Rica para conhecer a indústria da palma local e ver como eles lidavam com esta cultura.
Achei tudo fantástico e promissor. A palma representa uma cultura 100% manual e não pode ser mecanizada. Dessa forma, eu pegaria toda aquela mão de obra carente, desprezada e abandonada da região e ofereceria uma realidade nova, na qual todo mundo poderia ter um emprego. Com isso, contribuí ainda para substituir o diesel, que vinha de longe, por outro biocombustível que passou a ser produzido e consumido localmente, sem que o Estado tenha necessitado criar uma grande infraestrutura para viabilizar o projeto.
Em 2009, veio uma grande vitória. Conseguimos publicar a Lei 12.111, que trouxe para dentro do arcabouço regulatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) o Sistema Isolado. Trata-se das instalações de energia não conectadas ao Sistema Interligado Nacional, cuja produção é feita a partir de óleo diesel ou óleo combustível.
Outra conquista foi o estabelecimento do Zoneamento Agroecológico da Palma de Óleo. Antes de começar o investimento, fiz um questionamento para o governo federal sobre onde eu poderia plantar palma em Roraima. Isso virou lei em 2010, por meio do Decreto Nº 7.172/2010, permitindo plantar palma apenas em áreas antropizadas, ou seja, desmatadas até dezembro de 2007. Há georreferenciamento para isso e é uma ferramenta fantástica, pois impede que o investidor coloque dinheiro onde não poderá plantar nem colher.
Voltei, investi e criei mais de 6 mil empregos
Todos temos os nossos anjos da guarda. Eu pude contar com muitos. Aquele amigo que me convidou para ir para Roraima, o Bertolucci, certamente é um deles. Hoje ele mora em Londres, é muito bem-sucedido e um grande empresário de jogadores de futebol. Outro é o professor Donato Aranda, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi ele que estava a caminho da Costa Rica para conhecer uma empresa de palma e me convidou para acompanhá-lo. Ele é reconhecido pelos seus estudos relacionados a produção de biodiesel e pelo desenvolvimento de um processo catalítico para a produção deste combustível a partir de palma.
Aprendi também muito com Fernando Castro, que é um engenheiro químico e tem uma longa passagem pela Rhodia. Outro anjo é Setsuo Sato, ex-BASF, que me ensinou a fazer biodiesel de uma forma muito mais fácil e simples. São pessoas que me ajudaram demais a caminhar. Como não mencionar aquela senhora que segurou na minha mão e me perguntou se eu realmente iria voltar a Roraima?
Ela não tocou só na minha mão, mas no meu coração. É como se ela me dissesse: “Você vai conseguir ir embora sabendo que aqui a gente vive nesta pobreza, neste desamparo?”, “Você seguirá tendo um sono tranquilo sabendo agora de nossas dificuldades?”. Aquilo me incomodou e nunca mais pude ser o mesmo. Acredito que não são os homens que nos inspiram, e sim Deus, que, muitas vezes, usa alguns homens como instrumentos. No conforto do lar, eu questionava: “O que eu posso fazer? Não sou político, não entendo de quase nada, estou há quase 2 mil quilômetros de distância”. Contudo, a resposta que vinha era: “Você pode!”. Voltei lá, investi, lutei, resisti e criamos mais de 6 mil empregos, geramos renda e reduzimos o custo da energia elétrica para a população a partir de uma matriz sustentável: o biodiesel de palma. Este é o meu maior caso de sucesso profissional. E tem nome: Brasil BioFuels.
Entretanto, hoje sei que minha verdadeira mentora foi minha mãe, porque me ensinou lições que ainda trago comigo e que levarei para a vida inteira. Em 1989, ela me presenteou com o livro O empreendedor – Fundamentos da iniciativa empresarial, de Ronald Degen, talvez o primeiro em português a tratar do conceito de empreendedorismo. Ela escreveu a seguinte dedicatória: “Milton, muitos querem, mas poucos podem. Sei, que se você quiser, poderá ser o maior empresário para engrandecimento, não próprio, mas dessa nação que o acolheu. Sua mãe, que confia muito nesse filho”. Tinha 23 anos e mal sabia o que queria. E eu, que leio cerca de dois livros por mês, passei uma vida inteira sem investir naquela obra-prima deste autor suíço, com medo de falhar com ela e vergonha de não corresponder às suas expectativas. Existem pessoas que realmente têm uma espiritualidade diferenciada, e a minha mãe certamente era uma delas. Ela conseguiu antever que eu poderia ser mais, desde que, como frisou, eu quisesse.
Devemos trabalhar com a mesma alegria de quando vamos para o lazer
Uma vez minha mãe falou: “Preste atenção, porque 90% das pessoas no mundo não sabem por que acordam e nem por que vão dormir”. Nunca mais esqueci da frase e todos os dias ficava fazendo a mesma pergunta para mim. Sempre tive um porquê dormir e acordar, e quem tem isso claro não cai na armadilha do desânimo. Estes têm convicção do que querem, não ficam parados esperando, mas correm atrás, agem. O grande líder é aquele que consegue ver na equipe uma grande disposição para a ação. Se quero que alguém siga ou valide apenas aquilo que penso, qualquer pessoa me serve. Contudo, no dia a dia, precisamos de profissionais que sejam complementares uns aos outros. Quero que meus liderados externem justamente em que podem ser melhores do que eu para que a companhia, no todo, prospere. Porém, o que mais espero deles é que tenham valores morais e boa vontade.
Isso não significa desmerecer a boa formação, pois trata-se de algo fundamental. O fato de eu não ter estudado não quer dizer que seja um apoiador daqueles que não valorizam a educação. No entanto, além dos currículos brilhantes, busco naqueles que estão comigo bons princípios, boa vontade e iniciativa de querer se aprimorar. Digo isso porque não são todos que querem andar para frente. Alguns gostam de andar de lado; outros, para trás. E quero comigo somente aqueles que vão para frente, e se esses tiverem um bom currículo, melhor.
Costumo dizer para meus filhos que devemos ir trabalhar com a mesma alegria de quando vamos para nossos momentos de lazer. Investimos mais da metade da nossa vida no ambiente corporativo, portanto, se trabalhamos com aquilo que não gostamos, teremos uma vida triste e sem prazer. Nestes casos, vamos nos acumulando de ressentimentos e sendo incapazes de compartilhar alegria, amor e abnegação. Só conseguimos compartilhar aquilo do qual estamos cheios. Então, vale a pena procurarmos fazer o que realmente amamos. Fazendo isso, independentemente da condição econômica que nossas escolhas virem a nos proporcionar, seremos pessoas muito bem-resolvidas e poderemos contribuir muito mais com nossa sociedade. E essa é a finalidade maior de todos nós.
Por Fabiana Monteiro
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